domingo, 7 de outubro de 2007

Árvore Genealógica das Fadas

Nas ilhas Britânicas, a Jana ou Sácia latina e a Holda ou Perchta germânica tomam a forma da rainha dos elfos ou das fadas. Ginzburg anota julgamentos de mulheres e homens na Escócia do final do século XVI ao XVII que disseram ter-se encontrado com essa Rainha e seu consorte (ora um belo homem, ora um cervo - animal também ligado a Diana).
Na peça Sonho de Uma Noite de Verão, Shakespeare dá à Rainha o nome de Titânia, um nome dado pelo poeta romano Ovídios às filhas de Titãs em geral e a Selene - uma das formas de Diana - em especial. Já seu contemporâneo, Edmund Spenser, a chamou de Gloriana no poema The Faerie Queene, dedicado à rainha Elizabeth I.
Ao marido de Titânia, Shakespeare deu o nome inglês tradicional de Oberon, derivado do francês Auberon ou Alberon, que por sua vez vem do alemão Alberich, "rei dos elfos" - que na Canção dos Nibelungos é o rei dos anões que guarda o tesouro cobiçado e afinal conquistado por Siegfried.
A confusão entre elfos e anões pode parecer absurda para fãs de O Senhor dos Anéis de Tolkien e dos jogos de RPG, mas era perfeitamente natural para os povos nórdicos e germânicos. Seus elfos eram originalmente deuses menores da natureza e da fertilidade ou espíritos dos mortos.
Seu nome - Elf em inglês e alemão, Alv (macho) ou Älva (fêmea) em sueco - deriva de uma raiz indo-européia que significa "alvo, branco", mas o mais famoso dos autores de sagas vikings, Snorri Sturluson, garantiu, no século XIII, que há dois tipos de elfos: os ljósálfar, elfos de luz, que vivem no céu (num lugar chamado Álfheimr) e os svartálfar (elfos negros) ou dökkálfar (elfos da sombra), que vivem no subsolo. Estes últimos, segundo ele, são o mesmo que dvergar (anões, em inglês dwarves). O rei dos "elfos da sombra" é Völundr, deus ferreiro conhecido pelos saxões como Weyland e protótipo dos anões artesãos do folclore. Nada a ver com os orcs e uruk-hai de Tolkien, nem com os drows dos RPGs.
Associadas a águas e grutas, confundidas com fadas, bruxas e anjas, as janas e sácias lembram as ninfas e náiades da mitologia grega e as rusalkas e vilas das lendas eslavas (chamadas "veelas" em Harry Potter e o Cálice de Fogo), famosas por atraírem belos jovens para o afogamento.
Também recordam as "damas do lago" das lendas arturianas. Uma delas, Viviane, criou sir Lancelot e deu ao rei Artur a famosa espada Excalibur; outra, chamada Nimue ou Nyneve (quando não a mesma Viviane), tem um caso de amor com Merlin e aprende sua magia, mas acaba por aprisioná-lo para sempre numa árvore, rocha ou castelo. A mais famosa, a fada Morgana, conspira na lenda clássica contra o meio-irmão Artur e acaba por causar sua perdição. Vale notar que os marinheiros italianos chamam de Fata Morgana uma miragem comum no estreito de Messina, produto da distorção de penhascos pela refração do ar, que dá a ilusão de pináculos ou castelos de altura fantástica.
Tanto os nomes de Nimue quanto o de Morgana derivam de antigas deusas celtas, que provavelmente foram as "rainhas das fadas" originais. Uma versão dá à primeira "dama do lago" o nome de Argante, de Ard Righan (Alta Rainha), epíteto de várias deusas celtas.
Outra analogia clara é com as banshees do folclore celta - de bean sidhe, mulheres sidhe. Sidhe, Sith (alguém mencionou George Lucas?), Shee ou Si, conforme o dialeto, são os deuses e espíritos da natureza celtas, análogos aos elfos germânicos e às janas latinas.
O nome sidhe, por sinal, referia-se originalmente às colinas nas quais esses seres - originalmente Tuatha de Danaan (filhos de Dana, a deusa-mãe irlandesa) - teriam se refugiado após a invasão da Irlanda pelos mortais. A mais famosa dessas colinas, Newgrange, é na realidade um grande túmulo pré-histórico, como as "casas das janas" da Sardenha. Aliás, elfos e elfas "das sombras" germânicos e nórdicos também vivem em colinas e montes de pedras.
Também se encontra, em Portugal e Galiza, o nome de xaira. Há, perto de Bragança, Portugal, uma localidade chamada Curriça (estábulo) das Xairas. Talvez uma variante do nome árabe Zaira (Zahirah, rosa), relacionado a uma obscura santa espanhola ou às "mouras encantadas" do folclore português.
Supostamente são jovens muçulmanas enfeitiçadas para guardar os tesouros abandonados pelos mouros expulsos da Península Ibérica. Aparecem junto de nascentes, rios, grutas, ruínas de fortalezas pré-históricas conhecidas como "castros" ou "citânias". Não é preciso dizer que túmulos pré-históricos como os dólmens (comuns em Portugal, onde são chamados antas, palas, orcas ou arcas) são também chamados de "casa da moura" ou "toca da moura".
Vistas a cantar e se pentear com pentes de ouro, as mouras prometem seus tesouros a jovens dispostos a desencantá-las com certas oferendas (geralmente de pão ou leite), de preferência no dia de São João. Vale notar que, em tempos pagãos, pão era oferecido aos mortos e leite às fontes e às serpentes. Às vezes, as mouras tomam a forma de mulher-serpente ou têm asas e vivem em um lugar mítico conhecido como "mourama".
Tudo isto parece ter muito pouco a ver com os mouros históricos - mesmo que se queira pensar nas gênias das Mil e Uma Noites. Será que os portugueses, depois de expulsarem os mouros propriamente ditos, não confundiram seu nome com o de entidades muito mais antigas? No folclore basco, há a já mencionada Mari e os Mairu, gigantes que construíram os dólmens e outros monumentos pré-históricos. Nas línguas celtas, mori pode ser lago, mar ou pântano, morwen ou mahra, espírito e mori-morwen, um espírito das águas análogo às janas. Nas ilhas Britânicas, nomes como Muir, Mor, Mhor, More e mesmo Moor (que pode também significar "mouro"), cognatos do celta mori, estão freqüentemente associados a monumentos megalíticos.
Seria ainda mais interessante se "mouras" fossem, na verdade, descendentes das Moiras da mitologia grega - Cloto, Láquesis e Átropos, as deusas do destino, temidas pelos próprios olímpicos, que fiam com sua roca a vida dos mortais, medem-na com uma régua e decidem seu fim com a tesoura, assim como faziam suas equivalentes nórdicas, as Nornas. Eram conhecidas pelos romanos como Parcas ou Fatas - ou seja, as Fadas - e apareciam no terceiro dia do nascimento de uma criança para determinar o curso de sua vida. Assim como as simpáticas fadas-madrinhas da Bela Adormecida e dos "contos de fadas", prontas a conduzir os personagens a seus destinos apropriados - ou, como diriam os lusos, a seu "fado".
As janas lembram também as nixes do folclore escandinavo e germânico (a mais famosa dos quais foi a Lorelei do poema de Heinrich Heine), seres que mudavam de forma à vontade, mas freqüentemente apareciam como belas mulheres cujas canções seduziam barqueiros e pescadores para se afogarem no rio.
Suas canções também anunciavam mortes às famílias que as ouviam, assim como os lamentos e gemidos das banshees irlandesas e das "damas brancas" do folclore francês de origem celta, principalmente da Normandia e Bretanha e as aparições dos elfos germânicos. As "damas brancas" também eram conhecidas por forçar os viajantes a dançar ou responder enigmas. Atormentavam ou perdiam aqueles que se recusavam a dançar ou davam a resposta errada.
Uma delas, Melusina, ao se casar com um mortal, teria dado origem a várias dinastias européias. Segundo a versão mais conhecida da lenda, Melusina casou-se com o conde Raymond de Poitou com a condição de que ele jamais entrasse em seu quarto no sábado. Deu-lhe vários filhos, mas um dia ele quebrou a promessa e a viu transformar-se em uma mulher-serpente (atenuada em algumas versões posteriores, para mulher-peixe). Ela o perdoou, mas um dia, num momento de raiva, ele o chamou de "serpente" na frente da corte e ela decidiu abandoná-lo. Tomou a forma de um dragão e saiu voando, para nunca mais voltar.
Estas lendas parecem ter moldado, mais que as antigas sereias gregas (que eram mulheres-aves e não mulheres-peixes), a concepção européia das sereias - ou, mais propriamente, ondinas, nome dado aos espíritos d¿água em 1566 pelo médico e alquimista Paracelso no seu "Tratado sobre os Espíritos Elementais". Ele também chamou de "silfos" espíritos do ar como os "elfos da luz" nórdicos (talvez do latim sylva com o grego nympha), "gnomos" ou "pigmeus" os espíritos da terra (como os anões nórdicos) e "salamandras" os espíritos do fogo.
Ondina do romance do alemão Friedrich de la Motte Fouqué se casa com um cavaleiro e assim ganha uma alma, mas o marido a abandona po outra mulher. Ela volta à água, mas no casamento do marido com a segunda esposa, reaparece e tira-lhe a vida com um beijo. Em outra versão, Ondina sacrifica a imortalidade para se casar com um cavaleiro e dar-lhe um filho, mas então envelhece e encontra o marido adormecido no estábulo com uma amante. Ela então o acorda e amaldiçoa - continuará a respirar enquanto estiver acordado, mas morrerá quando voltar a dormir. Por causa dessa lenda, uma forma de apnéia noturna - síndrome que priva certas pessoas de respiração durante o sono - é também conhecida como "maldição de Ondina".
Há também, é claro, a Pequena Sereia do dinamarquês Hans Christian Andersen, que dispensa apresentações. A semelhança de alguns desses mitos com a nossa iara também não deve ser acaso. Muitos de nós aprendemos na escola que a iara era uma lenda indígena, mas essa não é toda a verdade.
Do século XVI ao XVIII, nossos índios não conheciam a iara e sim o Ipupiara, Igpupiara ou Hipupiara, um monstro marinho e antropófago, do sexo masculino. Uma crônica conta que um ipupiara apareceu em 1564 na praia de São Vicente (SP), a primeira vila brasileira, e aterrorizou a escrava índia Irecê, que ia encontrar o amante na praia e viu a aparição do monstro como um castigo. O ipupiara, aparentemente, já matara seu amante, Andirá. Fugiu apavorada, mas no caminho encontrou o capitão Baltazar Ferreira, representante em São Vicente do capitão-mor Pedro Ferras Barreto, que residia em Santos. Este enfrentou o monstro e o abateu a golpes de espada. É provável que o ipupiara fosse um leão-marinho, animal pouco conhecido e assustador para os índios do litoral paulista, pois raramente aparece em tais latitudes.
Mais tarde, esse ser se confundiu com a boiúna ou cobra-grande das lendas amazônicas, uma sucuri negra, gigantesca e voraz que também podia tomar forma de embarcação. Também conhecida, a partir do século XVIII, como mãe-d¿água, passou a ser também imaginada como mulher.
É só no século XIX que aparece o nome enganosamente indígena de uiara ou iara, romanticamente imaginada como uma versão tropical e indígena das janas, nixes e loreleis do folclore europeu, a arrastar os incautos para a morte nos igarapés com sua beleza ou seu canto. Assim como Janaína, que tudo indica, não é totalmente africana, a Iara não é totalmente indígena. Ambas devem ter sangue português. Uma mulata, outra cabocla, ambas seriam mestiças e cem por cento brasileiras.


By: Antonio Luiz M. C. Costa

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